sexta-feira, 13 de junho de 2014

Capítulo 16

 Vesti depressa a calça e roubei uma das camisetas de Joseph. Enquanto me trocava, 
minha mente repassava a rotina que eu havia aprendido na terapia: Ponha tudo para fora. 
Explique ao seu parceiro qual foi o gatilho do seu sentimento negativo. Enfrente esse 
gatilho e tente superá-lo. 
 Se eu não estivesse tão abalada pela profundidade de meus sentimentos por Joseph, 
talvez eu conseguisse fazer tudo isso. Se não tivéssemos acabado de fazer um sexo 
inesquecível, talvez eu não me sentisse tão exposta e vulnerável. Isso eu jamais saberia. 
Estava me sentindo um pouco suja, um pouco usada, e estava muito, muito magoada. Ao 
me dar conta disso, com uma intensidade atordoante, senti uma necessidade infantil de 
magoá-lo também. 
 Passei as mãos nas camisinhas, no lubrificante e nos brinquedinhos eróticos e joguei 
tudo na cama. Quando ele me chamou com um tom de voz divertido e provocador, peguei minha mochila e fui embora. 
Mantive a cabeça baixa ao passar pela recepção e saí do hotel por uma porta lateral. 
Fiquei vermelha de vergonha ao me lembrar do gerente que cumprimentou Joseph no 
elevador. Era capaz de imaginar o que ele pensava de mim. Ele devia saber para que servia aquele quarto. Eu não conseguia suportar a ideia de ser apenas mais uma de uma longa lista, mas foi exatamente isso o que me tornei quando pus os pés naquele hotel. 
 Teria dado muito trabalho parar na recepção e pedir um quarto que seria só nosso? 
 Saí andando sem direção e sem destino definido. Já havia escurecido, e a cidade 
ganhava uma nova vida e se reenergizava depois de mais um dia de trabalho. Barraquinhas fumegantes de comida dominavam as calçadas, junto com vendedores ambulantes oferecendo quadros, camisetas ou até roteiros de filmes e episódios de seriados de TV. 
 A cada passo que eu dava, a adrenalina da fuga baixava um pouco mais. A 
imaginação maliciosamente excitada pela visão de Joseph saindo do banheiro para 
encontrar o quarto vazio e a cama repleta de parafernálias sexuais foi perdendo o efeito. 
Comecei a me acalmar... e a refletir seriamente sobre o que tinha acontecido. 
 Teria sido uma coincidência Joseph me convidar para ir a uma academia tão  convenientemente próxima de seu abatedouro sexual? 
 Lembrei da conversa que tivemos no escritório na hora do almoço, e a dificuldade 
que ele sentiu para expressar seu desejo de ficar comigo. Ele estava tão confuso e dividido quanto eu, e nessa situação o mais natural seria mesmo recorrer aos hábitos rotineiros. Afinal de contas, eu mesma não tinha acabado de fazer isso, apesar de ter investido tantos anos em terapia para aprender a não me fechar e fugir quando estivesse magoada? 
 Angustiada, parei em uma cantina e me sentei a uma mesa. Pedi um cálice de syrah 
e uma pizza margherita, esperando que o vinho e a comida acalmassem minha ansiedade 
para que eu pudesse voltar a pensar direito. 
 Quando o garçom voltou com meu vinho, virei metade da taça de uma vez sem nem 
sentir o gosto. Já estava com saudade de Joseph, do bom humor que ele demonstrou antes de eu ir embora. Seu cheiro estava impregnado em mim — junto com o do sexo 
inacreditável que fizemos. Senti meus olhos arderem, e deixei algumas lágrimas caírem, 
apesar de estar em público, em um restaurante cheio de gente. A pizza chegou e eu provei um pedaço. Tinha gosto de papelão, e isso não tinha nada a ver com a qualidade dos ingredientes, do cozinheiro ou do lugar. 
 Puxei a cadeira em que havia deixado minha bolsa e peguei o celular novo, com a 
intenção de ligar para o dr. Travis e deixar um recado. Ele tinha proposto que continuássemos com as sessões à distância até que eu encontrasse um terapeuta em Nova York, e decidi aceitar a oferta. Foi quando vi as vinte e uma ligações perdidas de Joseph e uma mensagem de texto: Estraguei tudo de novo. Não me abandone. Fale comigo. Por favor. 
 As lágrimas voltaram a rolar. Apertei o telefone contra o peito, sentindo-me perdida. Não conseguia afastar da cabeça a imagem de Joseph com outras mulheres. Não conseguia deixar de imaginá-lo trepando feito louco com outra mulher naquela mesma cama, usando aqueles brinquedinhos nela, levando-a à loucura, extraindo prazer do corpo dela... 
 Era um pensamento irracional e sem sentido, que fazia com que eu me sentisse 
mesquinha e patética, e se manifestava em uma dor física. 
 Levei um susto quando o telefone começou a vibrar, e quase o derrubei. Dominada 
pelo sofrimento, pensei em deixar tocar até cair na caixa postal, porque estava escrito na 

tela que era Joseph — a única pessoa que tinha aquele número —, mas não fui capaz de ignorar, porque ele estava claramente histérico. Por mais que eu quisesse magoá-lo antes, naquele momento essa ideia era insuportável. 
 “Alô.” Estranhei minha própria voz, abafada pelas lágrimas e pela tristeza que 
sentia. 
 “Demetria! Graças a Deus.” Joseph parecia ansiosíssimo. “Onde você está?” 
 Olhei ao redor e não encontrei nada que me dissesse o nome do restaurante. “Não 
sei. Eu... sinto muito, Joseph.” 
 “Não, Demi. A culpa foi minha. Preciso encontrar você. Pode descrever o lugar onde 
está? Você foi andando?” 
 “Sim, vim andando.” 
 “Eu sei qual foi a saída que você usou. Pra que lado você foi?” Ele estava ofegante, 
e eu conseguia ouvir o barulho do trânsito e das buzinas ao redor. 
 “Pra esquerda.” 
 “Você virou alguma esquina depois disso?” 
 “Acho que não. Não sei.” Olhei em volta à procura de um garçom. “Estou em um 
restaurante. Italiano. Com lugares na calçada... e uma cerquinha de ferro. Portas vazadas... Pelo amor de Deus, Joseph, eu...” 
 Ele apareceu, a princípio como um vulto na porta de entrada segurando um telefone 
contra a orelha. Eu o reconheci imediatamente, observei sua reação de paralisia quando me viu sentada junto da parede dos fundos. Ele enfiou o telefone no bolso da calça jeans que mantinha no hotel e passou direto pela hostess que o abordou antes de chegar até mim. Mal tive tempo de me levantar e ele avançou contra mim e me abraçou bem forte. 
 “Pelo amor de Deus.” Ele estremeceu de leve e enterrou a cabeça no meu pescoço. 
“Demi.” 
 Retribuí o abraço. Ele cheirava como alguém recém-saído do chuveiro, o que me 
fez lembrar que estava precisando demais de um banho. 
 “Eu não poderia estar aqui”, ele disse asperamente, recuando um pouco para envolver meu rosto com suas mãos. “Não posso aparecer em público assim. Podemos ir para minha casa?” 
 Alguma coisa no meu rosto deve ter denunciado minha preocupação, porque ele me 
deu um beijo na testa e sussurrou: “Não vai ser como no hotel, eu prometo. A única mulher que já esteve na minha casa foi minha mãe, além da governanta e das empregadas”. 
 “Isso é idiotice”, murmurei. “Estou sendo idiota.” 
 “Não.” Ele afastou os cabelos do meu rosto e se inclinou para cochichar na minha 
orelha. “Se você tivesse me levado a um lugar reservado para trepar com outros homens, eu teria perdido a cabeça.” 
 O garçom apareceu, e nós nos afastamos. “O senhor quer um cardápio?” 
 “Não, obrigado.” Joseph sacou a carteira do bolso e estendeu a mão com o cartão 
de crédito. “Já estamos de saída.” 
  Pegamos um táxi até a casa de Joseph, que ficou segurando minha mão durante 
todo o trajeto. Fiquei mais nervosa do que deveria ao pegar o elevador privativo para a 
cobertura na Quinta Avenida. O pé-direito alto e a arquitetura no estilo anterior à Segunda Guerra Mundial não eram novidade para mim e, para ser sincera, era meio que o esperado quando se namora alguém que é dono de quase todos os lugares que frequenta. E quanto à vista para o Central Park... bom, era até óbvia. 
Mas o nervosismo de Joseph era nítido, o que me fez perceber que aquela visita era 
muito importante para ele. Quando a porta do elevador se abriu diretamente no hall de 
entrada com revestimento de mármore, ele apertou ainda mais minha mão antes de me 
soltar. Destrancou a porta dupla da entrada e permitiu meu acesso à sua privacidade. Sua 
ansiedade era visível enquanto observava minha reação. 
 O apartamento era lindo como ele. No entanto, era bem diferente de seu escritório, 
que era ousado e moderno. Sua casa era aconchegante e suntuosa, repleta de antiguidades e obras de arte, com magníficos tapetes Aubusson revestindo pisos reluzentes de madeira 

nobre. 
“É... incrível”, eu disse baixinho, sentindo-me privilegiada por estar ali. Era um 
vislumbre de um lado de Joseph que eu ansiava por conhecer, e era belíssimo. 
 “Entre.” Ele me puxou para dentro. “Quero que você durma aqui hoje.” 
 “Não trouxe roupas nem nada...” 
 “Você só vai precisar da sua escova de dente e da bolsa. Podemos passar na sua 
casa amanhã de manhã e pegar o resto. Prometo que você não vai se atrasar para o 
trabalho.” Ele me abraçou e apoiou o queixo no topo da minha cabeça. “Quero muito que 
você fique, Demetria. Não culpo você por ter saído correndo daquele quarto, mas seu sumiço me deixou desesperado. Preciso de mais um tempinho na sua companhia.” 
 “Preciso de um abraço.” Enfiei as mãos sob a camiseta dele para sentir a maciez 
suave de suas costas musculosas. “E um banho também me faria bem.” 
 Ele inspirou profundamente, com o nariz bem próximo dos meus cabelos. “Adoro 
sentir meu cheiro em você.” 
 Mesmo assim, ele me conduziu por um corredor até seu quarto. 
 “Uau”, suspirei quando ele acendeu a luz. Uma enorme cama de casal dominava o 
centro do quarto, feita de madeira escura — que parecia ser a de sua preferência — e 
coberta com uma roupa de cama creme. O restante da mobília combinava com a cama, e os detalhes eram adornados com tons de dourado. Era um cômodo acolhedor e masculino, sem nenhuma obra de arte nas paredes que concorresse com a vista serena do Central Park e dos imponentes prédios residenciais do outro lado do parque. Do meu lado de Manhattan. 
 “O banheiro é aqui.” 
 Enquanto eu me dirigia ao gabinete de pia, que parecia construído a partir de alguma escrivaninha antiga com pés em forma de garra, ele retirou toalhas de um armário e 
as deixou ali para mim, movendo-se com a sensualidade e confiança que eu tanto admirava. Vê-lo em sua casa, vestido tão casualmente, foi comovente. E saber que eu era a primeira mulher a entrar ali me emocionou ainda mais. Foi como se, mais do que nunca, ele tivesse se despido para mim. “Obrigada.” 
 Ele me olhou e pareceu entender que eu não estava falando só das toalhas. Seu olhar 
fez com que uma onda de calor se espalhasse pelo meu corpo. “É muito bom ter você aqui.” 
 “Não faço ideia de como vim parar aqui com você.” Mas estava gostando muito. Muito mesmo. 
 “E isso importa?” Joseph veio até mim, levantou meu queixo e deu um beijo na ponta do meu nariz. “Vou deixar uma camiseta na cama. Caviar e vodca está bom pra você?” 
 “Ora... é um belo avanço em relação à pizza que comi.” 
 Ele sorriu. “Caviar tipo ossetra da Petrossian.” 
 Retribuí o sorriso. “Preciso me corrigir. É um tremendo avanço.” 

 Tomei um banho e vesti a camiseta tamanho grande das Indústrias Cross que ele havia separado para mim; depois liguei para Cary para avisar que passaria a noite fora e 
contar meio por alto o que tinha acontecido no hotel. 
 Ele soltou um assovio. “Não sei nem o que dizer sobre isso.” 
 Cary Taylor não saber o que dizer significava muita coisa. 
 Encontrei Joseph na sala, e sentamos no chão para comer o badalado caviar com 
torradinhas e crème fraîche enquanto assistíamos a uma reprise de um seriado policial de 
TV que tinha uma cena filmada em frente ao Joseph Building. 
 “Acho que seria legal ver um prédio meu numa TV como essa”, comentei. 
 “Até que não é ruim, mas eles fecharam a rua durante horas para as filmagens.” 
 Atingi o ombro dele com o meu. “Quanta negatividade.” 
 Fomos para a cama às dez e meia e assistimos ao restante do programa deitados 
juntinhos. A tensão sexual entre nós era palpável, mas ele não tomou nenhuma iniciativa, 
então fiquei na minha. Desconfiei que ele queria compensar o incidente ocorrido no hotel. Ele estava tentando provar que gostaria de passar um tempo comigo quando “poderíamos estar trepando”. 
 Funcionou. Por mais que eu estivesse a fim, era muito bom ficar ali sem fazer nada. 
 Ele dormia sem roupa, o que tornava o contato ainda melhor. Joguei uma das pernas 
por cima dele, abracei sua cintura e apoiei meu rosto sobre seu coração. Nem me lembro do fim do programa, devo ter dormido antes. 
 Quando acordei o quarto ainda estava escuro, e rolei para o lado da cama. Sentei 
para consegui olhar para o relógio digital no criado-mudo e vi que ainda eram três da 
manhã. Eu costumava dormir a noite toda, o que me fez concluir que era o ambiente 
desconhecido que estava atrapalhando meu sono. Apenas quando Joseph gemeu e começou a se mexer, inquieto, que descobri o que me havia feito despertar. Seu gemido era de dor, seguido por um sussurro atormentado. 






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