domingo, 20 de julho de 2014

Capítulo 13

Quando fui trabalhar na segunda-feira, senti que as coisas enfim estavam voltando à época pré-Corinne. Joseph e eu tínhamos que lidar com minha menstruação, algo que nunca havia sido problema em nenhum dos nossos relacionamentos anteriores, mas o sexo era nossa forma de expressar os sentimentos. Ele dizia com o corpo o que não conseguia transformar em palavras, e meu desejo era uma forma de provar que acreditava nele, algo indispensável para estabelecer a proximidade entre nós.
Eu podia dizer que o amava o quanto quisesse, e isso tinha lá seu efeito, mas Joseph precisava da entrega total do meu corpo — uma prova de confiança com um significado todo especial, por causa do meu passado — para acreditar de fato nisso.
Como ele me disse certa vez, não era a primeira vez que ouvia “Eu te amo”, mas, como a frase nunca vinha acompanhada de uma demonstração de honestidade, confiança e sinceridade, nunca havia sido levada a sério. Essas palavras não significavam muita coisa para Joseph, e por isso ele se recusava a dizê-las. Era uma coisa da qual teria que abrir mão para ficar com ele.
“Bom dia, Demetria.”
Sentada à minha mesa, olhei para cima e vi Mark de pé ao meu lado. Ver seu sorriso ligeiramente torto era sempre uma alegria para mim. “Oi. Estou pronta pra começar quando você quiser.”
“Primeiro um café. Você quer?”
Peguei minha caneca vazia de cima da mesa e fiquei de pé. “Pode apostar.”
Fomos para a máquina.
“Você está toda bronzeada”, comentou Mark, olhando para mim.
“Pois é, tomei um solzinho no fim de semana. Foi legal ficar à toa, sem fazer nada. Aliás, é uma das coisas que mais gosto de fazer.”
“Que inveja. Steven não aguenta ficar muito tempo sem fazer nada. Está sempre me arrastando pra algum lugar pra fazer alguma coisa.”
“O amigo que mora comigo é igualzinho. Fico cansada só de vê-lo sempre correndo de um lado para o outro.”
“Ah, antes que eu me esqueça.” Ele fez um gesto para que eu entrasse primeiro. “Shawna pediu pra você ligar. Ela tem ingressos para um show de uma dessas bandas novas de rock e perguntou se você não gostaria de ir.”
 Lembrei-me da garçonete ruiva bonita que conhecera na semana anterior. Era irmã de Steven, o companheiro de longa data de Mark. Os dois se conheceram na faculdade e estavam juntos desde então. Eu adorava Steven. E tinha quase certeza de que adoraria Shawna também.
“Tudo bem se eu sair com ela?”, fui obrigada a perguntar, já que era a cunhada
do meu chefe.
“Claro. Não esquenta. Não tem problema.”
“Legal.” Sorri e desejei que ela logo se tornasse mais uma aquisição para minha lista de amigas em Nova York. “Valeu.”
“Agradeça com um café”, ele disse, pegando um copo da pilha e entregando para mim. “O seu sempre fica melhor que o meu.”
Lancei um olhar um tanto incrédulo para ele. “Meu pai sempre diz isso.”
“Então deve ser verdade.”
“Deve ser um golpe masculino”, rebati. “E como é que você e Steven dividem
a tarefa de fazer o café?”
“Não precisamos fazer isso.” Ele sorriu. “Tem um Starbucks na esquina de
casa.”
“Tenho certeza de que existe uma boa explicação pra chamar isso de golpe, mas meu nível de cafeína ainda está baixo demais para pensar a respeito.” Entreguei um copo cheio para ele. “O que provavelmente é um bom motivo pra não mencionar a ideia que acabei de ter.”

“Pode falar. Se for muito ruim, posso usar isso contra você para sempre.”

“Puxa. Valeu.” Segurei minha caneca com as duas mãos. “Não seria melhor tentar vender o tal café com sabor de blueberry como se fosse um chá? Sabe como é, numa xícara de porcelana chique, com pires e um potinho de creme ao fundo? Para dar uma ideia de coisa sofisticada, tipo chá das cinco? Com um cara lindo e meio britânico dando um golinho?”
Mark contorceu um pouco os lábios enquanto pensava. “Acho que gostei da ideia. Vamos falar com o pessoal da criação.”
“Por que você não me contou que ia para Las Vegas?”
Suspirei em silêncio ao ouvir a voz aguda e irritadiça da minha mãe e posicionei melhor o telefone no ouvido. Mal tinha posto a bunda na cadeira quando ele tocou. Desconfiei que, se pegasse meus recados, ia encontrar um ou dois dela. Minha mãe é o tipo de pessoa que, quando fica preocupada, não descansa
enquanto não receber notícias.
“Oi, mãe. Desculpe. Eu ia te ligar na hora do almoço e contar tudo.”
“Adoro Las Vegas.”
“É mesmo?” Pensei que ela detestasse qualquer coisa relacionada a jogatina.
“Não sabia.”
“Pois saberia, se me perguntasse.”
Havia um tom de queixa e mágoa na voz sussurrada dela que me fez estremecer.
“Desculpe, mãe”, eu disse mais uma vez, pois desde criança tinha aprendido que pedir desculpas sempre funcionava com ela. “Eu precisava passar um tempo sozinha com Cary. Mas a gente pode marcar uma viagem para Vegas qualquer dia, se você estiver a fim.”
“Não seria divertido? Eu bem que gostaria que passássemos um tempo juntas, Demetria.”
“Eu também gostaria.” Olhei para a foto dela e de Stanton que havia na minha mesa. Ela era linda, uma mulher que irradiava um tipo de sensualidade vulnerável que parecia irresistível aos homens. Sua vulnerabilidade não era uma coisa fingida — minha mãe era uma pessoa frágil em diversos sentidos —, mas ela sabia muito bem conseguir o que queria. Os homens não se aproveitavam
dela; era ela que tirava o que queria deles.
“Você já tem planos para o almoço? Posso fazer uma reserva em algum lugar e passar aí para pegar você.”
“Tudo bem se eu levar uma colega?” Megumi havia me chamado para almoçar quando cheguei, prometendo contar tudo sobre seu encontro às escuras.
“Ah, eu adoraria conhecer seus colegas de trabalho!”
Abri um sorriso de afeto genuíno. Minha mãe era capaz de me enlouquecer, mas no fim das contas seu único defeito era me amar demais — uma característica que, combinada à sua neurose, era absurdamente irritante, porém motivada pela melhor das intenções. “Certo. Você pode passar aqui ao meio-dia. E a gente só tem uma hora de almoço, então tem que ser uma coisa rápida em um
lugar não muito longe daqui.”
“Pode deixar que eu cuido de tudo. Estou tão animada! Até daqui a pouco.”
Minha amiga e minha mãe se deram muito bem. Reconheci no rosto de Megumi o olhar de deslumbramento que havia visto tantas vezes ser despertado  por ela ao longo dos anos. Monica Stanton era uma mulher lindíssima, o tipo de beldade clássica que deixa todos embasbacados por encarnar um ideal de perfeição.
Além disso, a poltrona roxa que ela havia escolhido para sentar era a ideal para realçar a beleza de seus cabelos loiros e seus olhos azuis.
Já minha mãe ficou encantada com o bom gosto que Megumi exibia ao se vestir. Enquanto eu pendia mais para o trivial, privilegiando a praticidade, Megumi preferia se arriscar nas cores e combinações, assim como a decoração do café localizado perto do Rockefeller Center a que minha mãe nos levara.
O lugar me fez lembrar de Alice no País das Maravilhas, com os veludos em cores berrantes que revestiam a mobília de formatos exóticos. A poltrona de Megumi tinha um encosto exageradamente curvado, e a da minha mãe tinha gárgulas entalhadas nos pés.
“Fiquei pensando no que ele tinha de errado”, Megumi ia dizendo. “Eu olhava e não entendia nada. Um cara como aquele não tinha por que se rebaixar a topar um encontro com alguém que nem conhecia.”
“Ele não estava se rebaixando”, discordou minha mãe. “Com certeza estava pensando que tinha tirado a sorte grande com você.”
“Obrigada!” Megumi sorriu para mim. “Ele era um gato. Não chegava a ser um Joseph Jonas, mas era um gato!”
“Aliás, como vai Joseph?”
Não era uma perguntinha inocente. Minha mãe sabia que eu tinha contado para Joseph do abuso sexual que havia sofrido quando menina, e não gostou nem um pouco da ideia. Era a coisa da qual ela mais se envergonhava na vida — ter ciência de que aquilo aconteceu em sua própria casa —, e seu sentimento de culpa era terrível, apesar de nem um pouco justo. Ela não ficara sabendo do que ocorria porque eu escondia tudo. Nathan me fizera ameaças horrorosas, que me deixaram morrendo de medo de abrir a boca. Ainda assim, minha mãe não se sentia confortável com o fato de Joseph saber de tudo. Eu torcia para que em algum momento ela compreendesse que ele também não a culpava pelo que havia acontecido.
“Ele anda trabalhando bastante”, respondi. “Você sabe como é. Tomei bastante tempo dele no começo, e agora está tendo que compensar isso.”
“Você vale a pena.”
Dei um gole na minha água e senti uma vontade irrefreável de contar que meu pai ia me visitar. Ela poderia ajudar a convencê-lo de que os sentimentos de Joseph por mim eram verdadeiros, mas esse era um motivo egoísta demais para abrir a boca. Eu não tinha como saber de que modo ela reagiria ao fato de Victor ir para Nova York, mas era bem possível que ficasse aborrecida, o que tornaria a vida de todos um inferno. Por alguma razão, minha mãe preferia não manter nenhum tipo de contato com ele. Não havia como ignorar o fato de que, desde que eu crescera o suficiente para me comunicar com meu pai sem precisar da ajuda dela, eles nunca mais tinham se falado.
“Vi uma foto de Cary num anúncio na lateral de um ônibus ontem”, ela
comentou.
“Sério?” Eu me ajeitei na poltrona. “Onde?”
“Na Broadway. Era um anúncio de jeans, acho.”
“Eu também vi”, acrescentou Megumi. “Mas nem prestei atenção no que
estava vestindo. Aquele homem é demais.”
A conversa me fez sorrir. Minha mãe era uma admiradora da beleza masculina.
Era um dos motivos por que os homens gostavam tanto dela — ela os fazia se sentir bem. E, quando se tratava de expressar sua admiração por caras bonitos, Megumi também era uma especialista.
“Ele está sendo reconhecido na rua”, contei, feliz por ser em conseqüência dos anúncios, e não de fotos ao meu lado nos tabloides. O mercado da fofoca considerava um material de primeira a notícia de que a namorada de Joseph Jonas morava com um modelo lindo de morrer.
“Mas é claro”, disse minha mãe, com uma pontinha de reprovação. “E teria como ser diferente?”
“Sempre torci por isso”, deixei bem claro. “Para o bem dele. É uma pena que o mercado de modelos masculinos não seja tão grande.” Ainda assim, eu achava que Cary ia se dar muito bem. Ou seria doloroso demais para ele. Cary dava tanto valor à sua aparência que um fracasso nesse ramo provavelmente teria um efeito devastador. Um dos meus maiores medos era que sua carreira se tornasse um fantasma com o qual nenhum de nós fosse capaz de lidar.
Minha mãe sorveu mais um pequeno gole de sua água San Pellegrino.
Aquele café era especializado em pratos com cacau, mas ela sempre tomava o cuidado de não ingerir todas as calorias diárias recomendadas em uma única refeição.
Já eu não tinha esse cuidado. Pedi uma sopa, um sanduíche e uma sobremesa que me custaria uma boa hora a mais de esteira. Desculpei-me pelo deslize com um lembrete mental de que estava menstruada, o que para mim significava carta branca para o consumo de chocolate.
“E então”, Monica sorriu para Megumi, “você vai ver o rapaz do encontro às escuras de novo?”
“Espero que sim.”
“Querida, não dê chance ao acaso!”
Quando minha mãe começou a expor seus conhecimentos sobre como lidar com homens, eu me recostei e apreciei o espetáculo. Ela era irredutível em sua crença de que toda mulher merecia um homem rico para mimá-la e, pela primeira vez na vida, seus conselhos não eram dirigidos a mim. Eu estava em
dúvida se meu pai e Joseph iam se dar bem, mas com minha mãe essa preocupação não existia. Ambas sabíamos que ele era o cara ideal para mim, apesar de acreditarmos nisso por razões diferentes.
“Sua mãe é demais”, comentou Megumi quando Monica foi até o banheiro se arrumar antes de sairmos. “E você é muito parecida com ela, sua sortuda.
Imagina que estranho seria se a sua mãe fosse mais bonita que você...”
Dei risada e disse: “Você tem que sair com a gente mais vezes. Foi divertido”.
“Eu adoraria.”
Quando chegou a hora de voltar ao trabalho, vi Clancy ao lado do carro estacionado no meio-fio e decidi que seria melhor andar e queimar algumas calorias antes de voltar ao trabalho. “Acho que vou a pé”, eu disse a elas. “Comi demais.
Vocês duas podem ir sem mim.”
“Vou com você”, disse Megumi. “Preciso de um pouco de ar fresco. O ar
condicionado do escritório resseca demais a minha pele.”
“Eu vou também”, disse minha mãe.
Dei uma olhada desconfiada para os sapatos dela, mas logo lembrei que minha mãe não usava nada além de salto alto. Para ela, caminhar com aquele tipo de calçado era a mesma coisa que andar de tênis para mim.
Dei uma olhada desconfiada para os sapatos dela, mas logo lembrei que minha mãe não usava nada além de salto alto. Para ela, caminhar com aquele tipo de calçado era a mesma coisa que andar de tênis para mim.
Voltamos ao Crossfire no ritmo habitual de caminhada em Manhattan, ou seja, em passadas largas e decididas. Apesar de os obstáculos representados pelas pessoas que vinham em sentido contrário nunca deixarem de ser um problema, tudo se tornou mais fácil com minha mãe abrindo caminho. Os homens
davam passagem a ela com todo o prazer, para depois acompanhá-la com o olhar.
Com seu vestidinho azul simples e sexy, ela parecia fresca e tranquila em meio ao calor e à umidade.
Quase na esquina do Crossfire, ela parou de maneira tão repentina que Megumi e eu batemos nela. Minha mãe se desequilibrou e foi lançada para a frente. Foi por muito pouco que consegui agarrá-la pelo cotovelo e impedir que caísse.
Olhei para o chão à procura do motivo por que ela havia parado, mas não
encontrei, e olhei em seu rosto. Ela observava o Crossfire, perplexa.
“Meu Deus, mãe”, eu a afastei do fluxo de pedestres. “Você está branca. É
por causa do calor? Está passando mal?”
“Quê?” Ela pôs a mão sobre a garganta. Seus olhos continuavam vidrados
no prédio.
Virei a cabeça para tentar descobrir o que a estava deixando naquele
estado.
“O que foi que vocês viram?”, perguntou Megumi, franzindo a testa.
“Senhora Stanton.” Clancy se aproximou, abandonando o carro com o qual nos seguia a uma distância discreta porém segura. “Está tudo bem?”
“Você viu...?”, ela esboçou uma pergunta, virando-se para ele.
“Viu o quê?”, eu quis saber, enquanto ele percorria a rua com seus olhos
treinados. A expressão implacável de seu rosto me deu um frio na espinha.
“Levo vocês até lá”, ele disse.
A entrada do Crossfire era literalmente do outro lado da rua, mas o tom de
voz de Clancy não dava margem a questionamentos. Nós entramos, e minha
mãe se sentou no banco da frente.
“O que aconteceu?”, Megumi perguntou depois que saímos do carro, já no interior refrigerado do edifício. “Parecia que sua mãe tinha visto um fantasma.”
“Não faço a menor ideia”, eu disse, sentindo-me muito mal.
Alguma coisa havia deixado minha mãe com medo. Eu enlouqueceria se

não descobrisse o que era.

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